Trovadorismo e Contemporaneidade
Este post e os seguintes abordarão aspectos contemporâneos associados à poesia galaico-portuguesa.
Comecemos então com a influência da poesia galaico-portuguesa na música popular brasileira (MPB). Para entender esta influência vamos nos orientar pela Teoria da Residualidade Literária, de Roberto Pontes:
"A residualidade se caracteriza por aquilo que resta, isto é, remanesce, de um tempo em outro, podendo significar a presença de atitudes mentais arraigadas no passado próximo, ou distante, dizendo respeito também aos resíduos indicadores de futuro. Estes últimos dizem respeito a artistas que, independente da estética à qual pertençam, incluem nas suas obras uma linguagem precursora, sendo, por isso, considerados artistas avant la lettre. Mas a residualidade não se restringe à categoria tempo, abrangendo igualmente a do espaço, a qual nos possibilita identificar também a hibridação cultural no tocante a crenças e costumes." (PONTES, 1999, p. 27)
Assim, é possível afirmar que há resíduos, principalmente, das cantigas de amor e das cantigas de amigo na MPB. Artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso têm em suas composições esses traços de forma mais expressiva.
A canção "Queixa" (1982) de Caetano Veloso em muito se assemelha às cantigas de amor. A vassalagem amorosa típica desse tipo de cantiga é perceptível no sofrer do homem pela mulher amada, que está tão distante, tão acima dele. O sofrer por amor, então, mostra-se atemporal.
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
ajoelha e não reza
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente, que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa
Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água
Ondas, desejo de vingança
Dessa desnatureza
Bateu forte sem esperança
Contra a tua dureza (Refr.)
Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria
Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa!
A canção "Sob Medida" (1979) de Chico Buarque se assemelha às cantigas de amigo, já que o eu lírico é feminino, mas a composição é feita por um homem e também é cantada por ele.
Se você crê em Deus
Erga as mãos para os céus
E agradeça
Quando me cobiçou
Sem querer acertou
Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea
Sou sua fêmea
Seu par, sua irmã
Eu sou seu incesto
Sou igual a você
Eu nasci pra você
Eu não presto
Eu não presto
Traiçoeira e vulgar
Sou sem nome e sem lar
Sou aquela
Eu sou filha da rua
Eu sou cria da sua
Costela
Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus
Se você crê em Deus
Encaminhe pros céus
Uma prece
E agraceça ao Senhor
Você tem o amor
Que merece
Referências Bibliográficas:
MERÇON, Marineis. A residualidade literária das cantigas trovadorescas na música popular brasileira: uma análise das músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso. Cadernos UNDB, São Luís, v. 4. jan/dez. 2014. < http://www.undb.edu.br/publicacoes/arquivos/14_-_a_residualidade_literaria_das_cantigas_trovadorescas_na_musica_popular_brasileira.pdf>. Acesso em: 25 set. 2016
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