domingo, 25 de setembro de 2016

Minorias na Idade Média na Poesia Trovadoresca Galaico-Portuguesa - Parte 1


Mulheres 



Na Idade Média o papel da mulher na sociedade era determinado pelos textos bíblicos e crendices. As mulheres na sociedade medieval eram vistas como mero meio de procriação. As mulheres deveriam se casar ou, caso não o fizessem, se  tornarem freiras. Ou ainda se tornarem prostitutas. A sua imagem sempre esteve associada à de Eva e ao Pecado original, sendo vistas como criaturas vis e sedutoras. Contrastando com essa visão, havia a imagem da mulher como maternal, advinda imagem da Virgem Maria. Ela era o canal entre os homens e a salvação. 

A cantiga de amigo "Quisera vosco falar de grado" (Cancioneiro da Biblioteca Nacional 585, Cancioneiro da Vaticana 188) de Dom Dinis, mostra a impotência das mulheres no período e também dialoga com algo que ainda é muito frequente nos tempos atuais. 

Quisera vosco falar de grado, 
aí meu amigu'e meu namorado; 
  mais non ous'hoj'eu convosc'a falar, 
ca hei mui gran medo do irado. 
Irad'haja Deus quen me lhi foi dar! 

En cuidados de mil guisas travo 
por vos dizer o con que m'agravo; 
  mais non ous'hoj'eu convosc'a falar, 
ca hei mui gran medo do mal bravo; 
Mal brav'haja Deus quen me lhi foi dar! 

Gran pesar hei, amigo, sofrudo, 
por vos dizer meu mal ascondudo; 
  mais non ous'hoj'eu convosc'a falar, 
ca hei mui gran medo do sanhudo. 
Sanhud'haja Deus quen me lhi foi dar! 

Senhor do meu coraçón, cativo 
sodes en eu viver con que vivo; 
  mais non ous'hoj'eu convosc'a falar, 
ca hei mui gran medo do esquivo. 
Esquiv'haja Deus quen me lhi foi dar!


"Numa interessante e original cantiga, a donzela diz ao seu amigo que não ousa falar com ele, nem contar-lhe o seu profundo mas secreto sofrimento, porque tem muito medo daquele a quem chama, sucessivamente, o irado, o mal bravo (o selvagem, numa tradução aproximada), o sanhudo e, finalmente, aquele "com quem vive" - ou seja, o seu marido. E amaldiçoa, ao mesmo tempo (no último verso do refrão), "quem me lhi foi dar", por certo o seu pai ou a sua família. 
Sendo esta, pois, uma cantiga de amigo, ela não deixa de constituir igualmente uma denuncia da situação social das mulheres (ou de algumas mulheres) na Idade Média, sujeitas a casamentos forçados e a maridos violentos."


Prostitutas




As prostitutas faziam parte, essencialmente, do mundo urbano na Idade Média. No livro Sexo, Desvio e Danação: As Minorias na Idade Média, há algumas informações sobre a prostituição no período que vale destacar: 

"Provavelmente o maior grupo de clientes servidos pelas prostitutas da Europa medieval era o dos homens jovens e não-casados. Não importa o que a Igreja pudesse dizer sobre sexo, havia uma tolerância social generalizada da atividade sexual masculina pré-marital e extraconjungal no mundo medieval.  Mas a prostituição era vista como um meio prático de permitir que os jovens de todas as classes afirmassem sua masculinidade e aliviassem suas necessidades sexuais, enquanto evitava, ao mesmo tempo, que se aproximassem de esposas e filhas respeitáveis, desestimulando-os dos estupros em gangues e desencorajando-os em relação à homossexualidade.(...)Primeiro, as prostitutas tinham que ser diferenciadas da população decente pela prescrição de uma marca de infâmia, e segundo, elas tinham que ser segregadas." (RICHARDS, 1993)

Na Cantiga "Domingas Eanes" de Afonso X podemos ver a imagem da "soldadeira", palavra que se referia às cortesãs ricas e também às prostitutas pobres, que trava um "duelo" com um cavaleiro.

 “Domingas Eanes ouve sa baralha 
 con uu genet', e foi mal ferida; 
 empero foi ela i tan ardida, 
 que ouve depois a vencer, sen falha, 
 e, de pran, venceu bõo cavaleiro; 
 mais empero, é-x'el tan braceiro, 
 que ouv'end'ela de ficar colpada. 

 O colbe colheu-[a] per ua malha 
 da loriga, que era desvencida; 
 e pesa-m'ende, porque essa ida, 
 de prez que ouve mais, se Deus me valha, 
 venceu ela; mais [log'] o cavaleiro 
 per sas armas o fez: com'er'arteiro, 
 ja sempr' end' ela seerá esmalhada. 

 E aquel mouro trouxe, com' arreite, 
 dous companhões en toda esta guerra; 
 e de mais á preço que nunca erra 
 de dar gran colpe con seu tragazeite;
 e foi-a achaar con costa juso, 
 e deu-lhi poren tal colpe de suso, 
 que já a chaga nunca vai çarrada. 

 E dizen meges: — Quen usa tal preit'e 
 á tal chaga, já mais nunca serra, 
 se con quanta laã á en esta terra 
 a escaentassen, nen cõno azeite; 
 por que a chaga non vai contra juso,
 mais vai en redor, come perafuso,
 e poren muit' á que é fistolada.” 


 "Palavras que normalmente se vinculam ao vocabulário das disputas e campos de batalha remetem aqui à relação sexual e à vida livre das soldadeiras. Desta forma, a baralha (briga, questão) refere-se ambiguamente a um confronto sexual onde a soldadeira se vê "mal ferida" e "colpada" (golpeada). O tragazeite (3ª estrofe), que era uma pequena lança de arremesso usada pelos mouros, remete obviamente ao órgão sexual masculino. O verbo achaar, que literalmente significa "estender ao comprido, no chão", reforça aquele sentido malicioso e se completa logo no mesmo verso, ao mencionar que a soldadeira estava "com costa juso", isto é, de ventre para cima. O "colpe de suso" (golpe de cima), que a vai chagar, arremata o circuito de alusões eróticas. Também os dois companhões (verso 16) — que no vocabulário de guerra significam "companheiros de batalha" — comportam aqui o seu outro sentido de "testículos". São trazidos pelo mouro "con arreite" — que em um sentido significa "ânimo espertado", mas no outro alude a "com o membro viril endireitado" (BARROS, 2005, p.10)

Referências Bibliográficas: 

RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
BARROS, J.D.A. A prostituta como agente de circularidade no trovadorismo ibérico (séculos XIII e XIV). Revista Ártemis. v. 2, jul 2005. <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/view/2350/2077>. Acesso em: 25 set, 2016.
<http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=609&pv=sim>. Acesso em: 25 set, 2016.



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